sábado, 17 de março de 2012

OS DISCÍPULOS EM JERUSALÉM. – Parte 03


Nas postagens anteriores – Os Discípulos em Jerusalém – Partes 01 e 02, abordamos o exposto em Atos 1:12-22; nesta abordaremos Atos 1:23-26.
Então, propuseram dois: José, chamado Barsabás, cognominado Justo e Matias. E, orando, disseram: Tu, Senhor, que conheces o coração de todos, revela-nos qual destes dois tens escolhido para preencher a vaga neste ministério e apostolado, do qual Judas se transviou, indo para o seu próprio lugar. (Atos 1:23-25)
É provável que muitos preenchessem as condições para substi­tuição de Judas, se mantivermos em mente que os Doze haviam sido escolhidos de um grupo bem maior de discípulos, os quais certamente, em menor grau que os Doze, haviam permanecido ao lado de Jesus (compare Marcos 3:13-14; Lucas 10:1; I Coríntios 15:6). Todavia, a maioria deles deveria ter estado na Galiléia. Esta seria a razão por que só dois nomes foram considerados: José, chamado Barsabás, que significa "filho do descanso" (talvez houvesse nascido num dia de sábado) ou "filho de Sabba". À semelhança de muitos judeus, este também tinha um nome "secular" (neste caso, romano), Justo (Justus, em latim). Este discípulo não deve ser identificado com o Judas Barsabás de Atos 15:22, conquanto talvez fossem parentes. O outro candidato era Matias.

Tendo dois candidatos diante de si, os discípulos uniram-se em oração a fim de que o Senhor, que é conhecedor do coração de todos (Atos 1:24), lhes indicasse qual deles deveria ser escolhido. Não ficou claro a que Pessoa da Trindade divina dirigiram essa oração, mas em vista de o mesmo verbo "escolhera" do capítulo 1 versículo 2 ser empregado aqui, para a escolha que Jesus fez dos apóstolos (também Lucas 6:13; João 6:70; 13:18; 15:16, 19), e à vista de Pedro ter acabado de chamar Jesus de "Senhor" (Atos 1:21), é bem provável que a oração tivesse sido dirigida a Jesus. Entretanto, o mesmo título e a mesma descrição — "conhecedor dos corações de todos" — são empregados noutra passagem concernente ao Pai. Esta ambiguidade, pela qual "Senhor" pode significar o Pai ou o Filho, fala-nos com eloquência de como consideravam Jesus. É digno de nota também que no que diz respeito ao livro de Atos, este conceito de profundo e imediato conhecimento só se exprime mediante palavras na boca de Pedro (compare 15:17-18; veja também 1º Samuel 16:7; Jeremias 17:10; João 2:25; 21:17). É bem possível, portanto, que se trate do registro de um modismo distintivo da linguagem desse apóstolo. O cargo a respeito do qual estão orando é descrito como "ministério" (gr. diakonia), como toda obra cristã deve ser (compare Marcos 10:43-44). A terrível sentença contra Judas foi que ele "se desviou" desse ministério indo para o seu próprio lugar (Atos 1:25).
E os lançaram em sortes, vindo a sorte recair sobre Matias, sendo-lhe, então, votado lugar com os onze apóstolos. (Atos 1:26)
Sendo-lhe, então, votado lugar com os onze apóstolos: De início, o termo "apóstolo" parece ter sido empregado de modo restrito aos Doze (1:6, 12; 2:43; 4:35, 37; 5:2, 12, 18; 8:1), mas logo passou a ser aplicado a um grupo mais amplo de pessoas, entre os quais Paulo e Barnabé foram os membros mais notáveis. Paulo frequentemente se refere a seu apostolado, em suas cartas (por exemplo, Romanos 11:13; I Coríntios 15:9; Gálatas 1:1); mas I Coríntios 9:1-2 e II Coríntios 12:12 devem ser verificados de modo especial, pois aumentam nossa compreensão acerca do cargo apostólico. A primordial qualificação do apóstolo resumia-se em que ele havia sido testemunha ocular das aparições pós-ressurreição de Jesus (Atos 1:21; I Coríntios 9:1), e havia recebido um chamado e um comissionamento distintos da parte do próprio Senhor ressurreto. A função primordial do apóstolo era tornar-se um delegado do Senhor ressurreto, trabalhando como seu representante e sob sua autoridade. Essa idéia de um representante investido de autoridade pode ter derivado da instituição judaica chamada seluhim, os mensageiros autorizados repre­sentativos de uma pessoa, ou de um grupo de pessoas (veja K. H. Rengstorf, "apóstolos", TDNT, vol. 1, pp. 414 e seguinte). Assim é que os apóstolos eram repre­sentantes pessoais de Cristo (Romanos 1:1; I Timóteo 2:7; II Timóteo 1:11). O novo elemento aqui é o motivo escatológico para o envio.
A autoridade dos apóstolos foi confirmada por seus "sinais" (II Coríntios 12:12), mas não era algo arbitrário ou automático que os tornava infalíveis. Paulo estava consciente da distinção entre sua própria opinião e a palavra cheia de autoridade do Senhor. O conflito entre Pedro e Paulo (Gálatas 2:11 e seguinte) demonstra que até mesmo um apóstolo podia agir contrariamente a suas convicções (Gálatas 2:7-9; Atos 15:7 e seguinte). A autoridade corporificada nos apóstolos era de tal ordem que a ela estavam sujeitos os próprios apóstolos. A autoridade deles provinha do próprio Deus (I Tessalonicenses 2:13), e eles mesmos estavam subordinados à autoridade de Deus (I Coríntios 4:1). Poder-se-ia dizer que a autoridade dos apóstolos repousava nos evangelhos, de modo que nem mesmo eles podiam pregar outro evangelho impunemente (Gálatas 1:16). Em certo sentido, portanto, estavam sujeitos à igreja, eram servos de Cristo, meros administradores dos dons de Deus concedidos a seu povo (I Coríntios 4:1; 7:23; II Coríntios 4:5). Entretanto, o papel desempenhado por eles era importantíssimo, pelo que são mencionados em primeiro lugar na lista de ministérios em I Coríntios 12:28-29 e em Efésios 4:11.
A seguir, os discípulos dispõem-se a descobrir a resposta do Senhor a suas orações por meio do sistema antiquíssimo das "sortes" (compare 1º Samuel 14:41). É preciso que sejamos claros: não houve eleição. Não foi o caso de cada discípulo lançar seu voto, mas a escolha (humanamente falando) foi feita a esmo. Não sabemos qual teria sido exatamente o método utilizado; talvez houvessem sacudido duas pedras num vaso, em cada uma das quais haviam escrito um nome (compare Levítico 16:8), até que uma delas caísse fora do vasilhame. O nome inscrito nessa pedra teria sido a escolha do Senhor. A expressão literal de Lucas é "caiu a sorte". Assim, Matias foi escolhido e, sem outras formalidades, aceito como um dos Doze. Muito se tem falado sobre o fato de que nem do novo apóstolo nem do método de escolha se tenha ouvido novamente, como se tudo isso mais tarde viesse a ser reconhecido como erro. Contudo, nada se fala a respeito da maioria dos apóstolos, ainda que seus nomes estejam em Atos 1:13, pelo que dificilmente o silêncio de Atos constitui motivo para que se condene aquele homem. Quanto ao método, a vinda do Espírito logo concedeu à igreja um guia mais certo para descobrir-se a vontade de Deus, embora naquela época o uso de sortes fosse método bastante legítimo. O desejo dos apóstolos era conhecer o homem cuja escolha tinha sido feita por Deus.
Fontes:
Hengel, Jesus, p. 107
H. Bietenhard, "onoma" TDNT, vol. 5, p. 270
K. H. Rengstorf, "apóstolos", TDNT, vol. 1, pp. 414 e seguinte

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