sábado, 17 de março de 2012

OS DISCÍPULOS EM JERUSALÉM. – Parte 02



OS DISCÍPULOS EM JERUSALÉM. – Parte 02
Na postagem anterior – Os Discípulos em Jerusalém – Parte 01, abordamos o exposto em Atos 1:12-15; nesta abordaremos Atos 1:16-22.
Irmãos, convinha que se cumprisse a Escritura que o Espírito Santo proferiu anteriormente por boca de Davi, acerca de Judas, que foi o guia daqueles que prenderam Jesus, porque ele era contado entre nós e teve parte neste ministério. (Atos 1:16-17)
Irmãos: literalmente, "homens, irmãos", tratamento um tanto formal, que mostra tanto a ocasião como o respeito devido às pessoas presentes. Visto que esta forma de tratamento ocorre com certa freqüência no livro de Atos (2:29, 37; 7:2; 13:15, 26, 38; 15:7, 13; 22:1, 6; 28:17; compare "Varões galileus", 1:11; "homens judeus", 2:14; "homens israelitas", 2:22; 3:12; 5:35; 13:16; "homens atenienses", 17:22; "efésios", 19:35), tem-se imaginado se esteve aí a mão de Lucas. Ainda que tal hipótese fosse real, não constituiria objeção à historicidade essencial de nenhum dos sermões em que essa expressão ocorre.
A referência aqui é a Judas, que "recebeu a porção deste ministério", ou talvez, por causa do artigo definido: "sua porção deste ministério". A palavra grega "porção" (kleros) significa literalmente aquilo que é obtido por sorteio. Aqui ela é empregada de modo figurado, embora seja interessante que o sucessor de Judas tenha sido nomeado pelo método do sorteio (compare Atos 1:26). Também é interessante que a mesma palavra seja usada em I Pedro 5:3, e da mesma forma, com respeito a uma área de responsabilidade ministerial. Seu emprego aqui pode ser, portanto, mais um eco das palavras reais de Pedro.
Judas havia sido membro do grupo, escolhido para participar da obra, mas traíra seu Mestre (compare João 13:18; 17:12). A descrição que Pedro faz de Judas que foi o guia daqueles que prenderam Jesus (Atos 1:16) relembra vividamente a cena do jardim, que deveria ter-lhe ficado impressa na mente para sempre (compare Mateus 26:47 e seguintes). Contudo, os fatos concernentes a Judas são mencio­nados resumidamente. É possível que Pedro estivesse consciente demais de seu próprio comportamento vergonhoso naquela noite. Talvez ele entendesse que, em certo sentido, todos nós estamos implicados também na morte de Jesus, de modo que ninguém, nenhum grupo de indivíduos está totalmente isento de culpa. O fato é que "Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras" (I Coríntios 15:3). Pedro chama nossa atenção para a autoria divina das Escrituras, ao referir-se ao "Espírito Santo que proferiu anteriormente por boca de Davi" (Atos 1:16; compare 2:16; 3:18, 21, 25; 4:25; 15:7; 28:25).
(Ora, este homem adquiriu um campo com o preço da iniquidade; e, precipitando-se, rompeu-se pelo meio, e todas as suas entranhas se derramaram; e isto chegou ao conhecimento de todos os habitantes de Jerusalém, de maneira que em sua própria língua esse campo era chamado Aceldama, isto é, Campo de Sangue. Atos 1:18-19)
Como o demonstra o versículo 19, referindo-se na terceira pessoa do plural aos habitantes de Jerusalém, estes dois versículos estão entre parênteses, aí inseridos por Lucas a fim de dar algumas informações históricas a seus leitores. O texto nos dá um relato da morte de Judas bem diferente do de Mateus. Diz-nos Mateus que Judas, transtornado pelo remorso, atirou no templo o dinheiro que havia recebido pelo seu ato de traição, e saiu a fim de enforcar-se. Os sacerdotes não quiseram colocar "dinheiro de sangue" na tesouraria, e preferiram comprar o campo de um oleiro — um lugar todo esburacado, de onde se retirava barro — "para sepultura dos estrangeiros". Esse lugar veio a ser conhecido como "Campo de Sangue" (Mateus 27:3-9; compare Zacarias 11:12-13). Lucas, por outro lado, assegura que foi o próprio Judas quem comprou o campo, onde acabou precipitando-se (Atos 1:18, literalmente: "caiu de cabeça para baixo", arrebentando-se e esparramando as entranhas (compare 2º Samuel 17:23). É difícil conciliar os dois relatos. Já nos dias de Agostinho imaginava-se que Judas tivesse se enforcado no campo e a corda viesse a romper-se, talvez tempo depois de ele ter morrido, quando seu corpo já se decompunha. Desse modo o relato de Lucas seria um adendo ao de Mateus. Todavia, essa explicação nos parece um tanto forçada; talvez devêssemos simplesmente aceitar o fato de haver dois relatos diferentes sobre como Judas encontrou a morte. Porém, o relato de Lucas em Atos pode ter raízes em Pedro, hipótese que se apóia no fato de a expressão o preço da iniqüidade, em forma quase idêntica no grego, encontrar-se de novo em II Pedro 2:13, 15. Duas coisas pelo menos ficam bem claras: Judas teve morte violenta e, de certa forma houve um relacionamento entre essa morte e a compra de um lote de terra que veio a chamar-se Aceldama, isto é, Campo de Sangue.
Porque está escrito no Livro dos Salmos:
Fique deserta a sua morada; e não haja quem nela habite;
e:
Tome outro o seu encargo. (Atos 1:20)
Ao referir-se às Escrituras, Pedro tinha em mente dois versículos em particular, tirados de Salmos. O primeiro era Salmo 69:25, - (Fique deserta a sua morada, e não haja quem habite as suas tendas) - que aqui aparece em forma adaptada, a fim de enquadrar-se na aplicação atual. "Seu" lugar no original refere-se a "seu deles", no plural, tornando-se sua (sua dele) "habitação", e "seu lugar" tornou-se sua liderança (isto é, seu cargo, ou seu apostolado). Essa adaptação, seja de Pedro ou de Lucas, poderá espantar-nos, como se o autor houvesse tomado liberdades indevidas com o texto. Contudo, acreditava-se que toda Escritura apontava para Cristo, ou para os eventos pertinentes à sua vinda, e que era perfeitamente legítimo extrair significados dessa manei­ra. Assim é que a imprecação do salmista contra seus inimigos torna-se uma profecia da deserção de Judas.
O segundo versículo, em que o salmista lança outra imprecação contra seus inimigos, torna-se o fundamento sobre o qual se deveria eleger outro apóstolo para o lugar de Judas. É citação do Salmo 109:8. As Escrituras não sugerem que os apóstolos deveriam fazer a tal eleição, mas tendo-se introduzido essa idéia, encontraram base nesses versículos para o ato que gostariam de praticar.
É necessário, pois, que, dos homens que nos acompanharam todo o tempo que o Senhor Jesus andou entre nós, começando no batismo de João, até ao dia em que dentre nós foi levado às alturas, um destes se torne testemunha conosco da sua ressurreição. (Atos 1:21-22)
Portanto, disse Pedro, É necessário, pois, que, dos homens que nos acompanharam todo o tempo... um destes se torne testemunha conosco da sua ressurreição (versículos 21 e 22)
Aqui está a segunda "neces­sidade" proclamada no sermão de Pedro. Quando Jesus escolheu os Doze, fê-lo obviamente com as doze tribos de Israel em mente. Os apóstolos deveriam ser uma parábola viva do novo Israel escatológico que o Senhor estava estabelecendo. As intenções do Senhor deveriam ter ficado bem claras para seus seguidores, de modo que, para o momento presente, acharam importante que se mantivesse o número deles, como testemunha perante os judeus. Todavia, depois que a igreja estava firmemente estabelecida, sendo já uma testemunha eficaz, parece que os discípulos deixaram de sentir essa necessidade, e nunca mais encontramos novas tentativas no sentido de perpetuar o número de Doze apóstolos (compare Atos 12:2). Naquele instante pode ter sido o modo de Judas ter-se perdido, mais do que a perda em si, que motivou os apóstolos a procurar substituí-lo.
Então, a fim de implementar essa decisão era necessário estabelecer as qualificações que deveriam caracterizar o sucessor de Judas. Todo candidato ao cargo deveria ter sido companheiro íntimo dos Doze originalmente escolhidos, desde "o batismo de João" até o dia em que Jesus dentre nós foi elevado às alturas.
Começando no batismo de João versículo 22: O candidato deveria ter sido testemunha do ministério de João, bem como do ministério de Jesus. Essa exigência é coerente com o objetivo da mensagem cristã que em geral inclui a obra de João Batista (compare por exemplo, Atos 10:37; 13:24-25). Mas alguns acham que a referência diz respeito apenas ao batismo de Jesus, realizado por João Batista, e dessa forma limitam o testemunho apostólico ao ministério de Jesus, o qual, com efeito, se iniciou com essa cerimônia. Das duas possibilidades, essa é a menos provável.

Esta exigência é a base da tradição joanina segundo a qual os primeiros discípulos haviam sido convocados dentre os seguidores de João Batista (compare João 1:35, 43). De modo especial, o candidato deveria ter sido testemunha da sua ressur­reição (de Jesus), Atos 1:21-22, (compare I Coríntios 9:1; 15:8; Gálatas 1:15-16). Obviamente este último requisito era de importância crucial, visto que a ressurreição era a pedra fundamental da proclamação de Jesus como "Senhor e Messias" (Atos 2:36). Todavia, torna-se igualmente claro à face dessas exigências que o testemunho apostólico não deveria confinar-se aos eventos finais da vida de Jesus, mas deveria incluir todo o seu ministério como também, e não como item de menor importância, o ensino do Senhor. No que concerne às qualidades pessoais do candidato, deveria ser homem de fé. Por isso é que eles oram àquele que é "conhecedor dos corações de todos" (Atos 1:24). Os próprios discípulos podiam discernir se os candidatos tinham qualificações, conforme Atos 1:21-22, mas buscaram a Deus para que o Senhor lhes julgasse os corações. É que o testemunho dos candidatos giraria em torno dos fatos históricos da vida de Jesus e dos efeitos transformadores de sua graça na vida do crente.
continua na parte 3

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