sábado, 17 de março de 2012

OS DISCÍPULOS EM JERUSALÉM. – Parte 01


O período entre a ascensão e o Pentecoste foi de espera, não porém de inatividade. Para os discípulos foi principalmente um tempo de oração, em que providenciaram a substituição de Judas. Sobre isso, temos o primeiro sermão de Atos. À semelhança da maior parte dos sermões deste livro, talvez tenhamos aí apenas um sumário do que Pedro disse. Entre­tanto, por trás do relato de Lucas podemos captar os dados originais de tudo quanto o apóstolo disse.

Então, voltaram para Jerusalém, do monte chamado Olival, que dista daquela cidade tanto como a jornada de um sábado. (Atos 1:12)
Conforme instruções que receberam, os apóstolos retraçaram seus passos do monte Olival à cidade, para que ali esperassem o dom do Pai (compare Atos 1:4-5).
Do monte chamado Olival, que fica perto de Jerusalém, à distância do caminho de um sábado: a saber, cerca de 1.100 metros. Essa era a distância que um judeu piedoso podia caminhar no dia de sábado: dois mil côvados, segundo cálculos um tanto complicados feitos a partir de Êxodo 16:29, à luz de Números 35:5. A intenção de Lucas foi simplesmente indicar que a ascensão deu-se nas proximidades de Jerusalém. Entretanto, o emprego desse termo em particular "pressupõe um espantoso conhecimento íntimo — para um grego — dos costumes judaicos" (Hengel, Jesus, p. 107). Pode-se encontrar alguma dificuldade com respeito à referência de Lucas 24:50 à Betânia, que fica a mais do dobro da jornada de um sábado partindo de Jerusalém; mas se as palavras do evangelho significam apenas "na direção de Betânia" (gr. prós Bethaniarí), essa dificuldade é vencida. Seja como for, dificilmente Jesus teria conduzido os discípulos a essa vila só para a ascensão.
Quando ali entraram, subiram para o cenáculo onde se reuniam Pedro, João, Tiago, André, Filipe, Tomé, Bartolomeu, Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelote, e Judas, filho de Tiago. (Atos 1:13)
Subiram para o cenáculo onde se reuniam: O artigo definido (em grego) indica que se tratava de um lugar bem conhecido dos leitores de Lucas. Portanto, pode ser referência ao primeiro livro, Lucas 22:11-12, o aposento onde se celebrou a última Ceia, embora nessa passagem se empregue uma palavra diferente. Tradicio­nalmente, esse recinto também tem sido identificado como aquele em que a igreja se reunia, na casa de Maria, mãe de João Marcos. Também pode ser o lugar de reunião de Atos 2:1, e aquele em que se reuniram para oração em 4:23-31.
Pedro e Tiago... e Judas, filho de Tiago: Repetem-se os nomes dos apóstolos, embora já tenham sido dados no primeiro volume (Lucas 6:14-16). Talvez Lucas os arrole de novo a fim de demonstrar que embora todos houvessem desertado o Mestre por ocasião de sua prisão, somente Judas cometeu uma traição deliberada. O resto permanecera fiel no coração. A menção de seus nomes também serviria para mostrar que embora as obras individuais não fossem registradas neste livro, todos tomaram parte, entretanto, na obra para a qual Jesus os chamara. As duas listas de Lucas concordam entre si, exceto quanto à omissão de Judas Iscariotes aqui, diferindo das listas de Mateus 10:2-4 e Marcos 3:16-19, só na menção do nome de Judas, filho de Tiago, pois aqueles evangelistas trazem Tadeu (e em algumas versões, Labeu, em alguns textos de Mateus). Estes nomes podem referir-se à mesma pessoa, e talvez identifiquem o "Judas" (não o Iscariotes) de João 14:22.
Simão, o Zelote: ("o cananeu", [que é a palavra aramaica para "zeloso"] Mt. 10:4; Mc. 3:18), assim chamado ou por causa de seu tempera­mento zeloso, ou por causa de alguma associação com o partido dos zelotes. A Nova Versão Internacional aparentemente adotou esta última interpretação, mas devemos observar que é essa mesma palavra empregada por Paulo, para si mesmo em Atos 22:3 (compare também Gálatas 1:14), e por Tiago, a respeito de alguns membros da igreja em Jerusalém, em Atos 21:20. Em nenhum desses casos pode-se entender que a palavra "Zelote" foi empregada com o sentido mais específico de partidário político.
Neste lugar teriam certa privacidade que combinava bem com seus propósitos, visto que a maior parte do tempo eles investiam na oração (compare Daniel 6:10).
Todos estes perseveravam unânimes em oração, com as mulheres, com Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele. (Atos 1:14)
Irmãos dele: Nos evangelhos, quatro homens são mencionados como os irmãos de Jesus, a saber: Tiago, José, Simão e Judas (Mateus 13:55; Mc. 6:3). Várias opiniões têm sido sustentadas quanto à natureza de seu relacionamento com Jesus; mas uma leitura natural do Novo Testamento nos sugeriria que, à parte as circunstâncias singulares da concepção de Jesus, aqueles homens foram seus irmãos no sentido comum do termo, isto é, filhos mais jovens de José e Maria. Esta opinião é apoiada pelo sentido significativo "prima facie" ou "primogê­nito", de Lucas 2:7, e pela dedução natural de Mateus 1:25, de que após o nascimento de Jesus, seguiram-se as relações maritais normais entre José e Maria.
Pode-se concluir aquela freqüência regular ao templo (compare Lucas 24:53; Atos 2:46; 3:1), visto que neste sentido não havia distinção entre eles e seus correligionários judeus. Os crentes viam-se a si mesmos simplesmente como o judaísmo cumprido, o começo do Israel escatológico. Prosseguiam na prática comum dos judeus. Todavia, pelo fato de afirmar-se que homens e mulheres oravam juntos, a referência aqui é principalmente às suas reuniões privadas. Se for esse o caso, o texto grego lança uma luz interessante sobre a prática desses judeus cristãos, visto que relata que se encontravam "em oração", como se Lucas tivesse em mente um tipo especial de prece, embora talvez apenas a ocasião fosse especial.
Uma das características de Lucas é a menção dos momentos de oração. Na verdade, a oração para ele era algo muito importante. Devemos observar três fatos relacionados à oração:
Primeiro, os cristãos primitivos costumavam orar. Assim como a oração havia caracterizado a vida de Jesus, ela caracterizava a de seus seguidores (compare Atos 2:42; 3:1; 4:24 e seguintes; 6:4 e seguintes). Além do mais, Lucas tem certeza de que toda oração sempre tem resposta (compare Atos 1:24-26; 4:31; 9:40; 10:19-20,31; 12:5, 12; 22:10; 27:23-25. Portanto, a oração desempenha um papel importante, ainda que não bem definido, no estabelecimento e cumprimento dos propósitos de Deus. Em nenhum outro texto fica isto mais evidente do que na conexão bem perceptível entre a oração dos discípulos antes do Pentecoste, e o derramamento do Espírito de Deus naquele dia.
Segundo fato: ao desen­volver esse ponto, Lucas enfatiza a persistência dos discípulos na oração. Eles perseveravam unânimes em oração; o verbo também está no imperfeito, no grego, denotando ação repetida ou habi­tual.
Terceiro fato: a oração comunitária era uma expressão de sua unidade, característica da igreja primitiva — unanimes (versículo 14). Talvez essa oração fosse também um fator que lhes mantivesse a unidade (compare Atos 2:46; 4:24; 5:12; Romanos 15:6; Efésios 4:3).
Também é característica típica de Lucas chamar a atenção para o papel desempenhado pelas mulheres na igreja (compare Atos 5:14; 8:3, 12; 9:2; 12:12; 16:13; 17:4, 12; 22:4). Aqui ele menciona a presença de mulheres nessas reuniões de oração. Outras mulheres seriam as esposas dos discípulos.
A referência à Maria conduz à menção dos irmãos de Jesus também. Antes, não haviam crido na mensagem do Senhor (João 7:5; compare Marcos 6:4), mas agora estão entre os discípulos. Não ficamos sabendo como é que se converteram, mas no caso de Tiago (presumindo-se que se trata do Tiago de I Coríntios 15:7), como no de Paulo, a conversão pode ter ocorrido depois de um encontro com o Jesus ressurreto. Tiago talvez houvesse influenciado seus irmãos.
Outra questão despertou o interesse dos discípulos, a saber, a substituição de Judas. Promoveu-se uma reunião que Pedro presidiu (compare Lucas 22:32), com a presença de cento e vinte "irmãos". Aparentemente se trata de um número aproximado, sem que seja preciso atribuir-lhe um significado especial (observe que, se tal número fosse exato e de suma importância, Lucas não teria dito quase).
Naqueles dias, levantou-se Pedro no meio dos irmãos (ora, compunha-se a assembléia de umas cento e vinte pessoas Atos 1:15)
Literalmente, "uma multidão de nomes, cerca de cento e vinte", em que "nomes" pode significar "pessoas" sem distinção de sexo (veja H. Bietenhard, "onoma" TDNT, vol. 5, p. 270), embora alguns argumentem, com base nas versões siríaca e árabe, que a palavra significa homens, distinguindo com precisão o gênero. O sermão de Pedro implica em que somente homens estavam presentes.

Entretanto, é interessante observar que, segundo o costume judaico, cento e vinte homens era o número mínimo requerido para constituir-se uma comunidade dotada de poderes para nomear um painel completo de vinte e três juízes que integrariam o tribunal local. A comunidade que tivesse menos de cento e vinte homens só poderia nomear uma corte de três juízes. Pedro assume como líder e é o que seria de se esperar, em função dos evangelhos, nos quais ele aparece como figura dominante entre os Doze. O termo "irmãos" (Nova Versão Internacional traz "crentes") é empregado aqui pela primeira vez em Atos, sendo talvez a mais antiga designação cristã dos membros da igreja.
continua na parte 2

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